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sábado, 15 de agosto de 2015

Acompanhamento nutricional de pacientes com Síndrome de Down atendidos em um consultório pediátrico



Nutritional monitoring of Down Syndrome patients assisted by a pediatric clinic La supervisión nutricional de los pacientes con Síndrome de Down asistidos por una clínica pediátrica
                                              Milena Biazi Prado*                                                                         Vera Silvia Frangella**
                                             Luciana Mestrinheri*                                                                              Zan Mustacchi***
ReSumo: A Síndrome de Down (SD) é uma condição genética que compreende aproximadamente 18% da população com comprometimento intelectual. Anualmente afeta cerca de 8 mil bebês brasileiros. Apresentam uma variedade de complicações tornando-os mais vulneráveis ao aparecimento de doenças. A inexistência de parâmetros antropométricos específicos e nacionais para todas as idades dificulta a avaliação do desenvolvimento pôndero-estatural, identificação de fatores de risco e prescrição adequada da terapia nutricional a essa população. Esse trabalho visou a definir o perfil antropométrico comparando-se resultados obtidos pelo emprego de dois padrões de referência indicados para classificar o estado nutricional de indivíduos com SD. Esta pesquisa avaliou 350 crianças com SD, de ambos os gêneros, com idades entre 0 e 11 anos, atendidas em uma clínica pediátrica de São Paulo, a partir da coleta de dados registrados em prontuários. Determinou-se o diagnóstico nutricional de acordo com as curvas de crescimento propostas por dois padrões de referência. A maioria das variáveis antropométricas, pelos dois padrões, foram superiores no gênero masculino. Considerando-se peso e estatura/idade percebeu-se que, utilizando-se o padrão internacional, encontram-se mais indivíduos eutróficos. Comparando-se os resultados obtidos com o emprego dos dois padrões de referência, a classificação de déficit de peso e de baixa estatura para idade segundo padrão nacional resultou em 2 vezes mais baixo peso e baixa estatura. Novos estudos contemplando curvas de peso/estatura, Índice de Massa Corporal, dobras e perímetros são necessários para maior precisão no diagnóstico nutricional. A avaliação e intervenção nutricional são fundamentais para garantir longevidade com qualidade.
PALAvRAS-chAve: Síndrome de Down. Antropometria. Avaliação Nutricional.
Abstract: Down Syndrome (DS) is a genetic condition that affects about 18% of the population with intellectual compromising. Annually it affects about 8 thousand Brazilian babies. These babies present a variety of complications that makes them more vulnerable to diseases. The inexistence of specific and national anthropometric parameters for all ages makes it difficult to evaluate weight and stature development, identify risk factors and adequately choosing nutritional therapy to this population. This work aims to define these patients anthropometric profile comparing results of two sets of reference parameters used for classifying the nutritional condition of individuals with DS. This research evaluated 350 children with DS, both female and male, with ages from 0 to 11 years assisted by a pediatric clinic from São Paulo City on the basis of data registered in clinical histories. Nutritional diagnosis was determined according growth curves proposed by two sets of reference parameters. Most anthropometric variables presented higher values for male subjects in both reference parameters. Considering weight and stature/age, we perceived that the use of the international standard reveals a greater number of euthrophic individuals. Comparing results of the two standards, the classification of weight deficit and low stature correlated to age according to Brazil’s standard revealed a double percentage of lower weight and low stature subjects. New studies on weight / stature curves, Body Mass Index, folds and perimeters are necessary for higher precision in nutritional diagnosis. Nutritional evaluation and intervention are vital to guarantee longevity with quality.
KeywoRDS: Down Syndrome. Anthropometry. Nutrition Assessment.
Resumen: La Síndrome de Down (SD) es una condición genética que afecta unos 18% de la población con comprometimiento intelectual. Afecta anualmente unos 8 mil bebés brasileños. Estos bebés presentan una variedad de complicaciones que los hacen más vulnerables a enfermedades. La inexistencia de parámetros antropométricos específicos y nacionales para todas las edades hace difícil evaluar el peso y el desarrollo de la estatura, identificar factores de riesgo y elegir terapias nutricionales adecuadas a esta población. Este trabajo apunta definir el perfil antropométrico de estos pacientes comparando resultados de dos sistemas de parámetros de referencia usados para clasificar la condición nutricional de individuos con la SD. Esta investigación evaluó a 350 niños con SD, hembras y varónes, con edades desde 0 hasta 11 años asistidos por una clínica pediátrica de la ciudad de São Paulo en base de los datos registrados en históricos clínicas. Se hizo la diagnosis nutricional según curvas de crecimiento propuestas por dos sistemas de parámetros de referencia. La mayoría de las variables antropométricas presentaron valores más altos para los sujetos masculinos en ambos parámetros de referencia. Considerando el peso y la estatura/edad, percibimos que el uso del estándar internacional revela un mayor número de individuos eutróficos. Comparando resultados de los dos estándares, la clasificación del déficit del peso y baja estatura por edad, según el estándar del Brasil revela un porcentaje doble de sujetos con peso más bajo y baja estatura. Nuevos estudios de curvas de peso/estatura, índice de masa corporal, doblas y perímetros son necesarios para una mayor precisión en diagnosis nutricional. La evaluación y la intervención nutricionales son vitales como para garantizar longevidad con calidad.
PALAbRAS LLAve: Síndrome de Down. Antropometría. Evaluación Nutricional.
* Pós-graduandas em Síndrome de Down pelo Centro de Estudos e Pesquisas Clínicas de São Paulo – CEPEC-SP – Universidade Mogi das Cruzes – UMC. 
Nutricionistas pelo Centro Universitário São Camilo. E-mail: milena_nutri@yahoo.com.br
** Nutricionista. Mestre em Gerontologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Administração Hospitalar pela Faculdade de Saúde Pública de São Paulo. Especialista em Terapia Nutricional Enteral e Parenteral pela Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral. Especialista em Nutrição Clínica pela Associação Brasileira de Nutrição. Docente do Curso de Graduação e Pós Graduação do Centro Universitário São Camilo.
*** Médico Geneticista, Pediatra. Pós-doutor pela Universidade de São Paulo. Doutor e Mestre em Farmácia (Análises Clínicas) pela Universidade de São Paulo.
Especialista em Medicina Tropical pela Universidade de São Paulo. Especialista em Homeopatia pela Sociedade Brasileira de Homeopatia. Especialista em Administração Hospitalar pelo Instituto Militar de Administração. Especialista em Pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Aperfeiçoamento em Atenção Clínica à Síndrome de Down pela Institute Progenese (França). Coordenador e Docente do Curso de Especialização em Síndrome de Down.

Introdução

A Síndrome de Down (SD) é um distúrbio genético e metabólico, no qual ocorre uma alteração cromossômica, que pode ser de três tipos: 1) trissomia 21 (presença e expressão de três cópias de genes localizados no cromossomo 21 a partir de uma falha na separação desse cromossomo durante a meiose, por não-disjunção), prevalente na maioria dos casos (aproximadamente 95%); 2) translocação (o material cromossômico extra fica aderido a outro cromossomo, e o paciente tem 46 cromossomos), representa cerca de 3% dos casos; ou 3) mosaicismo (o comportamento se assemelha a não disjunção como uma tentativa de correção do processo, porém compromete apenas um grupo das células, algumas têm 47 e outras 46 cromossomos), encontrado em aproximadamente 2%
dos casos diagnosticados41,20,37,2,13.
É a primeira síndrome definida clinicamente como de origem cromossômica, reconhecida há mais de um século por John Langdon Down, que constitui uma das causas mais frequentes de deficiência mental (DM), compreendendo aproximadamente 18% dos casos atendidos em instituições especializadas30,26. Afeta 1 a cada 800 recém-nascidos em todo o mundo e é o principal fator genético no desenvolvimento de deficiência intelectual. No Brasil, nascem cerca de 8 mil por ano com SD, sendo a alteração genética mais diagnosticada na clínica pediátrica34,27.
Devido à melhoria nos cuidados familiares, médicos e de reabilitação na infância, sua expectativa de vida tem aumentado nos últimos anos. Considera-se que mais de 60% desta população viverá mais que 50 anos, 44% chegarão aos 60 anos e 14% aos 68 anos38,8.
Normalmente é diagnosticada no nascimento por combinações específicas de sinais, como face achatada, nariz pequeno e achatado, pele abundante no pescoço, hipotonia muscular, baixa estatura, entre outras. Apesar de ser facilmente identificada ao exame clínico, se necessário, realiza-se análise cromossômica para confirmar seu diagnóstico, a fim de se avaliar as implicações genéticas para a família44,38. Problemas durante a gestação como crises emocionais, traumas mecânicos ou o uso de drogas não são causadores dessa alteração, pois é de natureza genética13.
Segundo Freeman, et al14, embora a idade materna avançada seja um fator de risco para o surgimento da SD, são necessários mais estudos a esse respeito. A questão da idade fisiológica do ovário é mais importante, pois há relevância clínica e biológica. Se a depleção do óvulo com idade avançada é base do efeito da idade maternal, então mulheres com um número reduzido de óvulos, por outras razões, podem ter o risco aumentado de concepção com trissomia 21. Assim, mulheres com apenas um ovário intacto, causado por cirurgia ou anormalidades congênitas, devem realizar teste para anormalidades cromossômicas. Já o estudo realizado por Binkert, et al3, indicou correlação positiva entre a idade avançada da mãe e o risco para o nascimento de uma criança com SD, embora não esclarecesse adequadamente o mecanismo3.
A SD pode ser associada com uma variedade de complicações e comprometimento: do coração, sistema nervoso, da visão, medula, glândula tireóide, arcada dentária, dos pulmões, do fígado, estômago, pâncreas, rins e glândula suprarrenal, da vesícula biliar, do intestino delgado e grosso, das articulações do joelho, do quadril, entre outros. A síntese excessiva da multiplicação de produtos de genes derivados do excesso de expressão dos genes presentes no cromossomo 21 é um fator para características dismórficas e doenças neurológicas, imunológicas, endócrinas e bioquímicas próprias da SD23,33,37.
Estudos da última década classificam a SD como alteração progeróide, indicando seu processo de envelhecimento antecipado, como responsável pelo aparecimento de alterações imunológicas, auto-imunes e endócrinas, entre outras, em faixa etária precoce quando comparados à população geral39,25.
Cerca de metade das crianças com SD (40%-50%) possuem má formação congênita, especialmente do coração, constituindo sua mais importante causa de morte19,42. Aproximadamente 5% têm anormalidades gastrintestinais; além de terem risco aumentado em 15 a 20 vezes para aparecimento de mielodisplasia transitória e 10 a 30 vezes mais riscos para desenvolverem leucemia quando comparadas à população em geral. Doenças imunológicas, doença celíaca, disfunção tireoidiana e diabetes, também são prevalentes. Contudo, são necessários novos estudos sobre o genoma do cromossomo 21 para verificar o mecanismo pelo qual a SD confere suscetibilidade a doenças endócrinas37,5,49,47.
A doença de Alzheimer aparece como a mais importante causa de morbidade e mortalidade entre as pessoas com SD de idade mais avançada. A presença de outras anormalidades cerebrais é mais
rara8,12.
Esses indivíduos, portanto, apresentam características metabólicas que os tornam mais vulneráveis ao aparecimento de doenças relacionadas principalmente ao seu estado nutricional. Dessa forma, a aplicação de métodos adequados para a avaliação nutricional dessa população é de extrema importância para lhes garantir a manutenção da saúde, pois fornece subsídios para: avaliar a presença de riscos para desenvolver doenças e implementar adequada intervenção nutricional. A antropometria é o método mais empregado para a avaliação do estado nutricional. Consiste na avaliação das dimensões físicas e da composição global do corpo humano, como tamanho e proporções e contribui para o diagnóstico nutricional em nível populacional, pela facilidade de execução e inocuidade. Além disso, é de baixo custo, sendo um método aceito e aplicado universalmente. Permite a obtenção de muitas informações valiosas para o adequado cuidado nutricional e clínico do indivíduo. O peso, a estatura, suas combinações e dobras cutâneas são os indicadores e parâmetros antropométricos mais utilizados em estudos epidemiológicos17,32,1,40.
A avaliação do crescimento e desenvolvimento de crianças verifica se o ganho ponderal e de estatura/comprimento está atendendo aos requisitos plenos do seu potencial genético. Com esta finalidade, foram criadas curvas de acompanhamento pôndero-estatural que possuem como referência indivíduos considerados comuns, ou seja, que vivem em condições socioeconômicas, culturais e ambientais satisfatórias e que lhes permitam atingir seus potenciais plenos de crescimento e desenvolvimento. A interpretação das medidas antropométricas exige o uso de padrões de referência e pontos de corte
definidos45,46.
A inexistência de figuras e tabelas com variáveis antropométricas de indivíduos com SD para todas as idades na população brasileira dificulta a caracterização clínica e avaliação do seu desenvolvimento pôndero-estatural, pois faz com que profissionais envolvidos no seu acompanhamento utilizem curvas de outros países as quais sofrem interferência de fatores ambientais de ordem: social, cultural e genética. É necessário o acompanhamento periódico, pois existem características específicas que devem ser consideradas por todos os profissionais envolvidos no tratamento dos indivíduos, como o Nutricionista, que é responsável pela orientação nutricional e prescrição da dieta adequada às necessidades específicas e individualizada31.
Com um bom acompanhamento nutricional a obesidade e outras doenças comumente associadas à SD podem ser prevenidas. A terapia nutricional deve, portanto, ser individual, baseada em dados clínicos e laboratoriais, pois hábitos nutricionais definidos por erros dietéticos são os principais fatores do desenvolvimento de obesidade nesta população32.
Esta pesquisa apresenta informações sobre o diagnóstico nutricional baseado em medidas antropométricas de pacientes com SD a partir de diferentes curvas usadas pela comunidade científica, com a finalidade de mostrar a importância do diagnóstico nutricional na garantia da saúde e adequação de seus cuidados. Pretende-se obter dados mais específicos sobre essa população, com a finalidade de desafiar a ciência à busca de novas descobertas, incentivando o desenvolvimento de novos projetos para crescente benefício da saúde da sociedade em geral. objetivos
Este estudo teve por objetivos definir o perfil antropométrico de pacientes com SD a partir da coleta de dados de registros em prontuários, obtidos em consultas médicas de rotina, e comparar com os padrões de curvas já existentes, segundo parâmetros de Mustacchi31 e Cronk, et al9, para definir o estado nutricional dessa população.

material e métodos

Esta pesquisa foi aprovada pelo
Comitê de Ética e Pesquisa (COEP), do Centro Universitário São
Camilo, sob o parecer de número 003/06, caracterizando-se como um estudo de campo de observação, longitudinal e retrospectivo. Foi desenvolvida no Centro de Estudos e Pesquisas Clínicas de São Paulo (CEPEC-SP), localizado no bairro Morumbi, na cidade de São Paulo, no período de janeiro a novembro de 2008. A coleta de dados deu-se por meio de registros de dados em prontuários, obtidos em consultas de rotina de pacientes com SD, atendidos pelo Doutor Zan Mustacchi, em seu consultório particular que compõe o CEPEC. Participaram do estudo somente os pacientes autorizados pelo doutor, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O número total da amostra foi representada por um total de 606 crianças de ambos os gêneros, com SD e atendidas no CEPEC, com idades de 3 dias até 12 anos.
A amostra da primeira parte dessa pesquisa, denominada A, foi definida pelos seguintes critérios de inclusão: crianças, com a faixa etária de até 12 anos, de ambos gêneros, com diagnóstico comprovado de SD e doenças associadas, exceto Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC), devido a possível formação de edema e alteração do peso corporal, o que compromete os valores da antropometria e, consequentemente, interfere na confiabilidade do diagnóstico nutricional. Para a composição da amostra da segunda parte desse estudo (B), excluíramse os participantes menores de um mês de idade, para atender aos critérios estabelecidos pelas curvas de Cronk, et al9; maiores de 8 anos, pois Mustacchi31 estabelece curvas até essa faixa etária; crianças que tiveram somente uma consulta médica e/ou as que não tinham registro em prontuário de valores de peso, estatura ou perímetro cefálico, por impossibilitar a comparação dos resultados entre a primeira e a última consulta, interferindo na avaliação da evolução nutricional da clientela atendida.
Após a autorização formal do médico responsável iniciou-se a pesquisa, com coleta dos seguintes dados registrados em prontuário: iniciais do nome do paciente; gênero; classificação social; diagnóstico de base e associados, datas de nascimento e das consultas; valores de peso, estatura e perímetro cefálico.


quarta-feira, 12 de agosto de 2015

DIETA CETOGÊNICA PARA EPILEPSIA INTRATÁVEL EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES: RELATO DE SEIS CASOS


MARCIO M. VASCONCELOS*, PATRICIA M. COUTO AZEVEDO, LÍVIA ESTEVES,
ADRIANA R. BRITO, MARIA CECÍLEA D. DE OLIVAES, GESMAR V. HADDAD HERDY
Trabalho realizado no Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP) e
Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, Rio de Janeiro, RJ
RESUMO – OBJETIVO. Descrever a introdução e o manejo da dieta cetogênica em um grupo de seis crianças e adolescentes com epilepsia refratária.
MÉTODOS. Os autores reviram o prontuário médico de cada paciente menor de 15 anos submetido à dieta cetogênica entre abril de 1999 e julho de 2003 e compararam os resultados terapêuticos e efeitos adversos e benéficos com a literatura pertinente.
RESULTADOS. A dieta cetogênica foi introduzida para seis pacientes, com idade mediana de sete anos (faixa: 1,8-12,2). A duração média da aplicação da dieta foi 9,7 meses (faixa: 7 dias-4 anos).
Observou-se uma redução igual ou maior que 50% da freqüência das crises epilépticas em metade dos casos. As complicações observadas foram leucopenia, constipação, desidratação, priapismo e recorrência das crises epilépticas.
CONCLUSÕES. A dieta cetogênica foi eficaz e segura em três pacientes de uma série de seis casos com epilepsia intratável. A complicação mais comum foi leucopenia.
UNITERMOS: Epilepsia. Criança. Tratamento. Dieta cetogênica. Corpos cetônicos.


INTRODUÇÃO

A epilepsia é um dos mais freqüentes e graves distúrbios neurológicos na infância, com incidência aproximada de 1% da população1. Dentre as crianças acometidas, 20% a 30% têm crises epilépticas refratárias às drogas antiepilépticas (DAES)2. A consideração de opções não-farmacológicas para o tratamento da epilepsia refratária é oportuna, dadas as evidências de que a freqüência de crises correlaciona-se fortemente com o prognóstico da epilepsia3 e de que o risco de letalidade da epilepsia pediátrica é mais alto nos pacientes com epilepsia intratável4. Embora a definição de epilepsia intratável seja controversa, comumente recorre-se ao conceito proposto por Schmidt, segundo o qual um paciente deve receber este diagnóstico quando suas crises epilépticas não são controladas por doses máximas toleradas de duas ou três DAES5. Existem três opções de tratamento não-farmacológico para o grupo de crianças e adolescentes com epilepsia intratável: cirurgia para epilepsia, estimulação do nervo vago e dieta
*Correspondência:
Av. das Américas, 700 – sala 229 – bloco 6
CEP: 22640-100 – Rio de Janeiro – RJ
Tels: (21) 2132-8080 / 2132-7765
E-mail: mmvascon@centroin.com.br
cetogênica (DC), a primeira das quais é inadequada para mais de metade dessas crianças6.

A DC foi criada por Wilder7, em 1921, na Mayo Clinic, para tratar crianças com epilepsia. Partindo da antiga observação clínica, citada na Bíblia (Mateus 17, 14-21), de que o jejum exercia uma ação anticonvulsivante em pacientes epilépticos, Wilder concebeu uma dieta com restrição de carboidratos, taxas minimamente adequadas de proteínas e alto teor de lipídios, a qual mantinha uma produção hepática contínua de corpos cetônicos tanto no estado alimentado quanto no jejum. Em vigência de cetose sangüínea contínua, há uma fase de adaptação do metabolismo cerebral estimada em até 20 dias, depois da qual os neurônios passam a utilizar os corpos cetônicos em lugar da glicose como principal gerador de energia, e o efeito terapêutico é a elevação do limiar convulsivo8. Embora se desconheça o mecanismo de ação exato da DC, alguns autores demonstraram que os níveis sangüíneos de acetoacetato e β-hidroxibutirato guardam relação direta, porém não linear, com o grau de proteção contra crises epilépticas, e talvez esta proteção esteja relacionada com um aumento das reservas cerebrais de energia9.
Sabe-se que o potencial cetogênico de uma dieta está em sua capacidade de iniciar e manter a produção dos ácidos acetoacético e β-hidroxibutírico, o que depende das quantidades e proporções relativas de lipídios, proteínas e carboidratos contidos nos alimentos ingeridos em cada refeição10. A glicose anula a produção hepática de corpos cetônicos, via secreção de insulina, porque converte-se facilmente em energia, ao passo que os ácidos graxos são oxidados dentro das mitocôndrias, gerando energia de maneira menos eficiente. Em contrapartida, a oxidação dos lipídios também gera como subprodutos os corpos cetônicos, os quais podem servir de combustível alternativo 10. Supondo-se uma digestão e absorção completas, a ingestão de 100 g de carboidratos  introduz 100 g de glicose e 0 g de ácidos graxos no metabolismo; 100 g de lipídios resultam em 10 g de glicose (o glicerol é convertido em glicose em uma proporção grama a grama) e 90 g de ácidos graxos; e 100 g de proteína fornecem 58 g de glicose e 46 g de ácidos graxos (a soma gerada é maior do que 100 porque, após a desaminação, os aminoácidos convertem-se em glicose e ácidos graxos em proporções variáveis)10,11. Estes dados podem ser representados na fórmula:
       K    =     0,9L + 0,46P
      AK      C + 0,1L + 0,58P
Na qual  K = potencial cetogênico,   AK = potencial anticetogênico,   L = lipídios,  P = proteínas  e C = carboidratos10.
Quando a razão cetogênica, K/AK, de uma determinada dieta ultrapassa 1,5, a cetogênese se instala e se expressa clinicamente pelo aparecimento de cetonúria. Em termos práticos, instituir a DC significa manter uma dieta com razão, em gramas, de lipídios para carboidratos e proteínas acima de 3:110. Assim, estabelecem-se a taxa mínima de proteína favorável ao crescimento, em geral 1 g/kg/dia, e, com base em uma quantidade diária total predeterminada de calorias, a taxa de lipídios. A quantidade de carboidratos é definida pela diferença entre a taxa calórica total e as calorias fornecidas por lipídios e proteínas. Diz-se, por exemplo, que o paciente seguirá uma DC de 4:1, contendo 4 g de lipídios para cada grama de proteínas mais carboidratos.
Em uma tentativa de tornar a DC mais palatável e menos constipante, Huttenlocher utilizou óleo de triglicerídios de cadeia média (TCM) como principal fonte lipídica12. Como os TCMs são mais cetogênicos que os demais lipídios, é possível oferecer uma maior proporção de proteínas e carboidratos8. Contudo, eles encerram a desvantagem de induzir diarréia, a qual tende a ceder com a continuação da dieta12. Assim, a prática da DC no tratamento da epilepsia infantil abrange duas modalidades básicas: a dieta tradicional ou “clássica” descrita inicialmente, baseada em alimentos com alto teor lipídico como creme de leite, manteiga, maionese, azeite e óleos vegetais,  e a dieta à base de TCM.
Devido à descoberta de novas DAES, a partir da década de 1960, aliada às dificuldades em seguir seus princípios rigorosos, a DC foi relativamente esquecida, embora alguns centros, como a Universidade Johns Hopkins13, tenham continuado a usá-la. Tornou-se evidente no decorrer do tempo que pelo menos um quinto das crianças epilépticas não respondia favoravelmente a quaisquer das DAES disponíveis ou precisavam de doses excessivas desses medicamentos, com efeitos colaterais intoleráveis. Desse modo, a popularidade da DC cresceu na década de 19908, e foram publicadas várias séries de casos descrevendo sua eficácia14-16.
Os objetivos deste trabalho são descrever a experiência dos autores com a aplicação da DC clássica a um grupo de seis crianças e adolescentes com epilepsia intratável e enfatizar a eficácia e os elevados benefícios em potencial da DC.

MÉTODOS

Este é um estudo retrospectivo que avaliou o uso da DC em um grupo de seis crianças e adolescentes com epilepsia previamente intratável, definida aqui pela resposta desfavorável a três drogas antiepilépticas. Os autores reviram o prontuário médico de cada paciente menor de 15 anos submetido à DC, entre abril de 1999 e julho de 2003, com atenção especial às características clínicas da doença subjacente, os exames complementares (eletroencefalograma, exames de imagem, dados laboratoriais), o tipo de crise e, quando possível, a síndrome epiléptica. Estudou-se o número de DAE previamente usadas. Analisaramse os seguintes aspectos da DC: eficácia (considerou-se como critério de eficácia uma redução igual ou maior que 50% na freqüência de crises epilépticas), efeitos benéficos associados (p. ex., sobre o humor ou a cognição), tolerância, dificuldade de aplicação, alterações laboratoriais e complicações. A base de comparação da freqüência de crises eram as últimas quatro semanas antes da DC, registradas em diário pelos pais. À internação para introdução da DC, cada crise epiléptica era registrada pela equipe médica e de enfermagem e, após a alta hospitalar, os pais foram orientados a manter um registro sistemático da hora, duração e características de cada crise convulsiva.
Protocolo da dieta cetogênica
Os autores seguiram a DC clássica, conforme descrita por Wilder 7 e divulgada por Freeman et al.17,18. Os critérios de inclusão no estudo foram idade do paciente entre 1 e 15 anos, uso prévio de pelo menos três DAES apropriadas em doses máximas, ausência de acidose metabólica ou algum outro distúrbio metabólico definido, capacidade psicossocial da família em aplicar a dieta e ausência de doenças intercorrentes. Cada paciente foi submetido a uma anamnese completa, exames físico e neurológico minuciosos e entrevista psicossocial dos responsáveis. Os pais e todos os adultos que conviviam com cada paciente foram instruídos durante no mínimo duas consultas acerca dos benefícios e riscos em potencial da DC, dificuldades na implantação da dieta e erros freqüentes na sua execução, e tiveram de assinar  um consentimento informado para que o paciente fosse submetido à DC. Não houve autorização prévia da Comissão de Ética em Pesquisa da instituição dos autores porque os seis pacientes não foram assistidos dentro de um protocolo formal de estudo. Antes da internação, realizaram-se exames laboratoriais para excluir infecções ou outras intercorrências, e foi solicitado aos pais observar a criança atentamente com o objetivo de definir a freqüência de crises epilépticas pré-DC. Os exames preliminares foram hemograma completo, gasometria arterial, perfil bioquímico sangüíneo (incluindo o sódio, potássio e cloreto; cálcio, fosfato, magnésio e fosfatase alcalina; aspartato-aminotransferase, alanina-aminotransferase e bilirrubina total; glicemia; uréia e creatinina), exame de urina e urocultura, exame parasitológico de fezes, proteínas séricas e lipidograma.
A introdução da DC exigia uma internação de no mínimo cinco dias, realizada após a verificação dos resultados dos exames de triagem. Os autores adotaram o recurso de manter o paciente em jejum até o aparecimento de cetose plena (detectada através de cetonúria no grau 4+). Durante o jejum, o paciente foi mantido com hidratação intravenosa sem glicose em dois terços da taxa hídrica plena e monitorado com aferição dos sinais vitais e medição da glicemia capilar e cetonúria a cada seis horas. Uma vez ao dia, enviavam-se ao laboratório amostras para a glicemia, eletrólitos, ácido úrico, uréia e creatinina, aminotransferases hepáticas e exame de urina. Uma vez instalada a cetose plena, a DC era iniciada. As refeições foram introduzidas em volumes progressivos, 1/3 do volume no primeiro dia, 2/3 no segundo dia e volume total no terceiro dia. Para facilitar a preparação da dieta no hospital, os autores optaram por fornecer apenas a gemada (contendo creme de leite com teor de lipídios de 35%, ovo e triglicerídios de cadeia média) nas três refeições diárias17. Durante a internação, a equipe médica e de enfermagem observava e registrava a hora e duração de cada crise clínica; os pais foram instruídos na preparação rigorosa das refeições no lar e no manejo de uma balança eletrônica com escala em gramas; neste estudo, utilizaram-se balanças eletrônicas portáteis da marca Tanita,


VASCONCELOS MM ET AL.
Tabela 1 – Resumo dos seis pacientes submetidos à dieta cetogênica
Sexo Idade no Tipo de crise Quadro Eletroencefalograma3 Exames de Prévias No início início da ou síndrome neurológico2 imagem4 da DC
modelo 1140. Após a alta hospitalar, o paciente passava a receber suplementos de cálcio, ferro e um polivitamínico. O acompanhamento ambulatorial incluiu revisões semanais durante as primeiras quatro semanas, consultas mensais nos três meses seguintes e, então, consultas bimestrais regulares. Além do registro diário das crises, os pais foram incentivados a verificar a cetonúria matinal diariamente com tira reagente específica ao longo de toda a duração da DC.
A DC foi calculada usando-se o software Keto Diet Meal Planner, distribuído gratuitamente pelo Lucile Packard Children’s Hospital da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos (porém, foi preciso adaptar os valores nutricionais dos alimentos aos
produtos nacionais). Adotaram-se os seguintes parâmetros para cálculo das refeições: razão cetogênica inicial (proporção entre gramas de lipídios e gramas de proteínas + carboidratos) de 4:1, taxa diária de proteína de 1 g por kg de peso corporal, taxa calórica calculada em aproximadamente dois terços das necessidades de manutenção tendo como base o peso ideal, número fixo inicial de três refeições diárias e taxa hídrica um pouco abaixo das necessidades de manutenção e limitadas a 1 ml por quilocaloria ao dia. À alta hospitalar, cada criança recebia um cardápio com cinco ou seis refeições rigorosamente calculadas com proporções nutricionais idênticas, que podiam ser oferecidas em qualquer uma das três refeições diárias.
RESULTADOS
No total, seis pacientes (cinco meninos e uma menina) foram submetidos à DC. A idade mediana no início da dieta foi de sete anos (faixa: 1,8 a 12,2 anos). A duração média da aplicação da dieta foi 9,7 meses (faixa: 7 dias4 anos). Observou-se uma redução igual ou maior que 50% da freqüência das crises epilépticas em três dos seis casos estudados.
A Tabela 1 resume as características clínicas dos seis pacientes. A Tabela 2 mostra as complicações, o efeito da DC sobre as crises, a cognição dos pacientes e os resultados laboratoriais observados.
A execução da DC foi dificultada por intercorrências em dois casos. No sexto dia de internação do caso 2, a avó visitou a criança e, assustada com sua astenia, decidiu alimentá-la
                                             DC (anos)       epiléptica1
CASO I
Fem
4,5
CPC com
AGD
Pontas-ondas
RME aos 3 anos
CBZ, CLB,
PB



generalização

lentas bilaterais
normal; RME
DZP, GBP,




secundária

e independentes
aos 4,5 anos:
LTG, PB,






(E > D);
atrofia cerebral
PHT, CGB,






atividade de
base suprimida à E.

VPA

CASO 2
Masc
1,8
Espasmos
Esclerose
Hipsarritmia
TCC:
NZP, PB,
VPA



infantis,
tuberosa

calcificações
VPA




mioclonias e
CPC


subependimárias


CASO 3
Masc
7,9
CPC, TCG
AGD
Hipsarritmia
TCC normal
DZP, OCBZ,
OCBZ, PB





modificada

PB

CASO 4
Masc
6,1
TCG,
AGD
Pontas-ondas
RME normal
CBZ, CLB,
CBZ, PB



mioclonias,

 lentas bifrontais

DZP, LTG, PB,




ausência atípica



  TPM, VPA

CASO 5
Masc
12,2
TCG, crises
AGD
Traçado
TCC e RME
CBZ, CNZ,
CBZ,



atônicas e

compatível com
 normais.
PB, VPA
CNZ, PB



tônicas

  SLG



CASO 6
Masc
11,5
CPC, às vezes
Hipomelanose
Pontas-ondas
RME normal
CBZ, DZP,
CBZ, TPM



generalização
de Ito
 lentas à E

 LTG, OCBZ,




secundária



 PHT, TPM, VPA

*Abreviaturas:
1  CPC; crises parciais complexas; TCG = convulsão tônico-clônica generalizada.
2  AGD = atraso global do desenvolvimento.
3  D = direita; E = esquerda; SLG = síndrome de Lennox-Gastaut.
4  RME = ressonância magnética do encéfalo; TCC = tomografia computadorizada de crânio.
5  Por convenção, usam-se as abreviaturas internacionais 28: CBZ = carbamazepina; CLB = clobazam; CNZ = clonazepam; DZP = diazepam; GBP = gabapentina; LTG = lamotrigina; NZP = nitrazepam; OCBZ = oxcarbazepina; PB = fenobarbital; PHT = fenitoína; TPM = topiramato; VGB = vigabatrina; VPA = ácido valpróico.
Tabela 2 – Parâmetros e resultados da dieta cetogênica em seis pacientes com epilepsia intratável
CASO 1     60                                                         4 anos; em uso Leucopenia,       G 42, AU 9,8




constipação

independente,
pH 7,28,






voltou a falar
Col 192, TG 65, Leuc 3,6
CASO 2
4:1
75
7 dias
Desidratação e
Sem crises até
G 38, AU 9,5,




letargia
 a suspensão

 pH 7,35
CASO 3
4:1
60
25 meses; em
Baixo ganho
Redução > 50%
Melhora da fala,
G 61, pH 7,31,



uso
 ponderal,

deambulação
Col 220, Tg 139,




leucopenia

  independente
  Leuc 3,4
CASO 4
4:1
68
52 dias
Recorrência das
Redução > 50%
Melhora
G 48, AU 8,3,




crises
no início; depois,
 transitória da
pH 7,29





crises de ausência persistentes
fala

CASO 5
4,25:1
52
18 meses; em
Leucopenia,
Sem crises há 13
Melhora da fala,
G 45, pH 7,21,



uso
 constipação
meses
deambulação
Col 262, Tg 79,






independente, menos sialorréia
 Leuc 2,69
CASO 6
3,5:1, depois
42
51 dias
Perda de 20% do
Piora das crises
Melhora global
G 52, AU 8,9,

3,75:1


 peso, priapismo


 pH 7,31,
Col 201, Tg 99
1Em quilocalorias por quilograma de peso corporal por dia.
2AU = nível sérico máximo de ácido úrico (mg/dL); Col = nível sérico máximo de colesterol (mg/dL); G = nível mínimo da glicemia (mg/dL); Leuc = contagem mínima de leucócitos (x 1.000/mm3); pH = pH sangüíneo


arterial mínimo; Tg = nível sérico máximo de triglicerídios (mg/dL).
com suco de laranja. A cetose foi prontamente interrompida pelo aporte de carboidrato. Este incidente levou à suspensão da dieta, a pedido da mãe do paciente, apesar da excelente resposta terapêutica inicial. O caso 6 apresentou dois episódios de recorrência das crises epilépticas ao longo de 13 meses: o primeiro quando ingeriu uma única batata frita e apresentou uma crise clônica breve, e o segundo no dia do aniversário da irmã, quando houve quebra da cetose e ele teve duas crises epilépticas noturnas — provavelmente por ter transgredido a dieta durante a festa.

DISCUSSÃO

Neste estudo, três em seis crianças com epilepsia submetidas à DC mostraram uma redução persistente maior ou igual a 50% da freqüência de crises epilépticas. Embora a baixa potência estatística de uma série de apenas seis casos não permita definir a eficácia do tratamento, o resultado foi comparável à taxa de eficácia de 54% no estudo multicêntrico prospectivo envolvendo 51 crianças de Vining et al.16 e um pouco inferior à taxa de 62% descrita em um estudo retrospectivo de 58 crianças por Kinsman et al.14.
Antes de oferecer a opção terapêutica da DC à família de uma criança com epilepsia supostamente intratável, é preciso considerar que o fracasso do tratamento farmacológico pode decorrer de diversos outros fatores, como erro de diagnóstico, dose insuficiente ou horário impróprio da medicação, baixa adesão à terapia, classificação errônea do tipo de crise epiléptica, ou a presença de uma doença progressiva do sistema nervoso central 3. Nos seis pacientes incluídos neste estudo, o diagnóstico de epilepsia intratável foi escrupulosamente revisto e confirmado. Todos os pacientes haviam recebido no mínimo três DAES em doses máximas (Tabela 1).
O uso do relato pelos pais da freqüência de crises epilépticas para aferir a resposta à DC não é o método ideal para avaliar a eficácia de uma terapia antiepiléptica, mas os três pacientes que responderam à dieta exibiram melhora acentuada da função global (p. ex., de ambulação independente) associada à redução ou resolução das crises. Embora imperfeito, o registro diário pelos pais da freqüência de crises também foi utilizado em estudos prévios14-16, e parece ser o método mais prático e exeqüível em estudos de acompanhamento a longo prazo sobre epilepsia.
Alguns autores afirmam que a DC não é tão utilizada porque ela é pouco palatável14, mas a prática da dieta demonstra que sua aceitação pode ser alta. Desde que percebam uma melhora significativa no estado clínico de seus filhos, pais e familiares costumam tolerar a rigidez na aplicação da DC para manter a cetose sangüínea contínua18. Porém, os incidentes descritos no caso 2, quando a avó da criança infringiu a DC, e no caso 6, quando a ingestão de uma única batata frita desencadeou crise epiléptica, devem servir de alerta para a necessidade de uma explicação detalhada da introdução e da manutenção da DC a todos os familiares e responsáveis que conviverão com o paciente, enfatizando os percalços e os efeitos colaterais possíveis.
Com o aumento no interesse pela DC a partir de 19948, deu-se maior atenção à toxicidade e aos efeitos colaterais da dieta1923. Na presente série de casos, todas as três crianças tratadas com a DC por período superior a dois meses apresentaram leucopenia (contagem de leucócitos < 4.500 células/ mm3), uma complicação ainda não citada na literatura consultada pelos autores. Os casos 1, 3 e 5 apresentaram contagens totais de leucócitos mínimas, respectivamente, de
VASCONCELOS MM ET AL.
3.600, 3.400 e 2.690 células/mm3, após períodos de tempo em uso da DC de 5 a 22 meses. A leucopenia não foi acompanhada de complicações infecciosas e, nos três casos, remitiu espontaneamente. Woody et al.19 descreveram uma deficiência da função dos neutrófilos em nove crianças de um a nove anos de idade tratadas com a DC, mas não mencionaram qualquer alteração quantitativa dos leucócitos. A ocorrência de priapismo durante a primeira semana de uso da DC no caso 6 também não fôra mencionada na literatura, mas não é possível definir se este adveio ou não da introdução da DC. A acidose metabólica foi leve a moderada e transitória no início da DC nos seis pacientes estudados, mas eventualmente é grave o suficiente para motivar a suspensão da DC18.
Outros eventos adversos em potencial da DC incluem alteração do estado mental (até mesmo coma), hiperlipidemia, hiperuricemia, hipocalcemia, hipoglicemia, desidratação, constipação ou diarréia, recusa alimentar, desmineralização óssea, litíase renal e infecções recorrentes21. Em um relato de cinco crianças que apresentaram complicações sérias e ameaçadoras à vida durante o tratamento com a DC, como perda ponderal, disfunção hepática, hipoproteinemia e acidose tubular renal, Ballaban-Gil et al. enfatizaram a necessidade de supervisão estreita quando a DC é associada ao uso de ácido valpróico, o qual pode inibir a fosforilação oxidativa21. Um relato recente mencionou a possibilidade de complicações cardíacas em crianças submetidas à DC22; houve um prolongamento do intervalo QTc em três de 20 crianças submetidas à DC, porém apenas uma criança necessitou que a dieta fosse suspensa.
A introdução da DC clássica preconiza um período de jejum inicial para acelerar a cetogênese e obter o efeito terapêutico desejado. Como este período de jejum é exigente do ponto de vista metabólico e encerra um risco mais alto de descompensação clínica (p. ex., o caso 2), a recomendação recente de iniciar a DC sem jejum é promissora; Wirrell et al.24 descreveram 14 crianças submetidas à DC sem jejum inicial, com aumento gradual da taxa cetogênica da dieta de 1:1 até 3:1 ou 4:1 ao longo de três a quatro dias. O tempo médio até a obtenção de cetose plena foi de 58 horas (faixa: 40 a 84 horas). A cetose foi alcançada por 13 das 14 crianças.
A aplicação da DC também foi sugerida para o manejo nutricional de crianças com determinados distúrbios metabólicos, como a deficiência da proteína transportadora de glicose (doença de DeVivo), deficiência de piruvato-desidrogenase e defeitos da glicólise cerebral25. Por outro lado, deve-se realizar uma triagem metabólica antes de instituir a DC, pois determinados distúrbios metabólicos podem ser agravados pela dieta, como a deficiência de piruvato-carboxilase, a porfiria, a deficiência de carnitina, os distúrbios mitocondriais e os defeitos da oxidação dos ácidos graxos26.

CONCLUSÃO

Considerando-se a redução dos custos da assistência médica de crianças com epilepsia intratável quando a DC é bem-sucedida27 e as taxas de eficácia da DC de até 62% citadas na literatura14,16, os autores do presente estudo acreditam que sempre que possível a DC deve ser instituída como uma prova terapêutica  às crianças com epilepsia intratável, mesmo antes de se contemplar uma opção terapêutica mais definitiva e invasiva como a cirurgia para epilepsia.

AGRADECIMENTO

Os autores desejam agradecer à nutricionista Ana Lúcia Pires Augusto, Profa. Assistente do Departamento de Nutrição e Dietética da Universidade Federal Fluminense, por sua participação competente e prestimosa na implantação da dieta cetogênica no Hospital Universitário Antônio Pedro.
Conflito de interesse: não há.

SUMMARY

KETOGENIC DIET FOR INTRACTABLE EPILEPSY IN CHILDREN AND ADOLESCENTS: REPORT OF SIX
CASES
BACKGROUND. This study aims to report on use of the ketogenic diet in a group of six children and adolescents with intractable epilepsy.
METHODS. Authors reviewed the medical records of every patient under 15 years of age who received the ketogenic diet between April 1999 and July 2003. A comparison is made between treatment results, adverse events and beneficial effects with the pertinent medical literature.
RESULTS. The ketogenic diet was administered to six patients, whose median age was 7.0 years (range, 1.8-12.2). Average duration of diet application was of 9.7 months (range, 7 days-4 years). A reduction equal to or greater than 50% in seizure frequency was observed in half of the cases. Complications included neutropenia, constipation, dehydration, priapism, and seizure recurrence.
CONCLUSIONS. The ketogenic diet was effective and safe in three out of six patients with intractable epilepsy. Neutropenia was the most common complication. [Rev Assoc Med Bras 2004; 50(4): 380-5]
KEY   WORDS: Epilepsy. Child. Therapy.
Ketogenic diet. Ketones.

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Artigo recebido: 20/10/03
Aceito para publicação: 02/04/04


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