MARCIO M. VASCONCELOS*, PATRICIA M. COUTO AZEVEDO, LÍVIA ESTEVES,
ADRIANA R. BRITO, MARIA CECÍLEA D. DE OLIVAES, GESMAR V. HADDAD HERDY
Trabalho realizado no Hospital Universitário Antônio
Pedro (HUAP) e
Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, Rio de
Janeiro, RJ
RESUMO – OBJETIVO.
Descrever a introdução e o manejo da dieta cetogênica em um grupo de seis
crianças e adolescentes com epilepsia refratária.
MÉTODOS.
Os autores reviram o prontuário médico de cada paciente menor de 15 anos
submetido à dieta cetogênica entre abril de 1999 e julho de 2003 e compararam
os resultados terapêuticos e efeitos adversos e benéficos com a literatura
pertinente.
RESULTADOS. A dieta cetogênica foi introduzida para seis
pacientes, com idade mediana de sete anos (faixa: 1,8-12,2). A duração média
da aplicação da dieta foi 9,7 meses (faixa: 7 dias-4 anos).
|
Observou-se uma
redução igual ou maior que 50% da freqüência das crises epilépticas em metade
dos casos. As complicações observadas foram leucopenia, constipação,
desidratação, priapismo e recorrência das crises epilépticas.
CONCLUSÕES. A dieta
cetogênica foi eficaz e segura em três pacientes de uma série de seis casos
com epilepsia intratável. A complicação mais comum foi leucopenia.
UNITERMOS: Epilepsia.
Criança. Tratamento. Dieta cetogênica. Corpos cetônicos.
|
INTRODUÇÃO
A epilepsia é um dos mais freqüentes e graves distúrbios
neurológicos na infância, com incidência aproximada de 1% da população1.
Dentre as crianças acometidas, 20% a 30% têm crises epilépticas refratárias às
drogas antiepilépticas (DAES)2. A consideração de opções não-farmacológicas
para o tratamento da epilepsia refratária é oportuna, dadas as evidências de
que a freqüência de crises correlaciona-se fortemente com o prognóstico da
epilepsia3 e de que o risco de letalidade da epilepsia
pediátrica é mais alto nos pacientes com epilepsia intratável4.
Embora a definição de epilepsia intratável seja controversa, comumente
recorre-se ao conceito proposto por Schmidt, segundo o qual um paciente deve
receber este diagnóstico quando suas crises epilépticas não são controladas por
doses máximas toleradas de duas ou três DAES5. Existem três opções
de tratamento não-farmacológico para o grupo de crianças e adolescentes com
epilepsia intratável: cirurgia para epilepsia, estimulação do nervo vago e
dieta
*Correspondência:
Av. das Américas, 700 – sala 229 – bloco 6
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Tels: (21) 2132-8080 / 2132-7765
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cetogênica (DC), a
primeira das quais é inadequada para mais de metade dessas crianças6.
A DC foi criada por Wilder7, em 1921, na Mayo Clinic, para tratar crianças com epilepsia. Partindo da antiga observação clínica, citada na Bíblia (Mateus 17, 14-21), de que o jejum exercia uma ação anticonvulsivante em pacientes epilépticos, Wilder concebeu uma dieta com restrição de carboidratos, taxas minimamente adequadas de proteínas e alto teor de lipídios, a qual mantinha uma produção hepática contínua de corpos cetônicos tanto no estado alimentado quanto no jejum. Em vigência de cetose sangüínea contínua, há uma fase de adaptação do metabolismo cerebral estimada em até 20 dias, depois da qual os neurônios passam a utilizar os corpos cetônicos em lugar da glicose como principal gerador de energia, e o efeito terapêutico é a elevação do limiar convulsivo8. Embora se desconheça o mecanismo de ação exato da DC, alguns autores demonstraram que os níveis sangüíneos de acetoacetato e β-hidroxibutirato guardam relação direta, porém não linear, com o grau de proteção contra crises epilépticas, e talvez esta proteção esteja relacionada com um aumento das reservas cerebrais de energia9.
Sabe-se que o potencial cetogênico de uma dieta está em sua
capacidade de iniciar e manter a produção dos ácidos acetoacético e β-hidroxibutírico, o que depende
das quantidades e proporções relativas de lipídios, proteínas e carboidratos
contidos nos alimentos ingeridos em cada refeição10. A glicose
anula a produção hepática de corpos cetônicos, via secreção de insulina, porque
converte-se facilmente em energia, ao passo que os ácidos graxos são oxidados
dentro das mitocôndrias, gerando energia de maneira menos eficiente. Em
contrapartida, a oxidação dos lipídios também gera como subprodutos os corpos
cetônicos, os quais podem servir de combustível alternativo 10.
Supondo-se uma digestão e absorção completas, a ingestão de 100 g de
carboidratos introduz 100 g de glicose e
0 g de ácidos graxos no metabolismo; 100 g de lipídios resultam em 10 g de
glicose (o glicerol é convertido em glicose em uma proporção grama a grama) e
90 g de ácidos graxos; e 100 g de proteína fornecem 58 g de glicose e 46 g de
ácidos graxos (a soma gerada é maior do que 100 porque, após a desaminação, os
aminoácidos convertem-se em glicose e ácidos graxos em proporções variáveis)10,11.
Estes dados podem ser representados na fórmula:
K = 0,9L +
0,46P
AK C
+ 0,1L + 0,58P
Na qual K = potencial cetogênico, AK = potencial anticetogênico, L = lipídios, P = proteínas
e C = carboidratos10.
Quando a razão cetogênica, K/AK,
de uma determinada dieta ultrapassa 1,5, a cetogênese se instala e se expressa
clinicamente pelo aparecimento de cetonúria. Em termos práticos, instituir a DC
significa manter uma dieta com razão, em gramas, de lipídios para carboidratos
e proteínas acima de 3:110. Assim, estabelecem-se a taxa mínima de
proteína favorável ao crescimento, em geral 1 g/kg/dia, e, com base em uma
quantidade diária total predeterminada de calorias, a taxa de lipídios. A
quantidade de carboidratos é definida pela diferença entre a taxa calórica
total e as calorias fornecidas por lipídios e proteínas. Diz-se, por exemplo,
que o paciente seguirá uma DC de 4:1, contendo 4 g de lipídios para cada grama
de proteínas mais carboidratos.
Em uma tentativa de tornar a DC
mais palatável e menos constipante, Huttenlocher utilizou óleo de
triglicerídios de cadeia média (TCM) como principal fonte lipídica12.
Como os TCMs são mais cetogênicos que os demais lipídios, é possível oferecer
uma maior proporção de proteínas e carboidratos8. Contudo, eles
encerram a desvantagem de induzir diarréia, a qual tende a ceder com a
continuação da dieta12. Assim, a prática da DC no tratamento da
epilepsia infantil abrange duas modalidades básicas: a dieta tradicional ou
“clássica” descrita inicialmente, baseada em alimentos com alto teor lipídico
como creme de leite, manteiga, maionese, azeite e óleos vegetais, e a dieta à base de TCM.
Devido à descoberta de novas DAES, a partir da década de
1960, aliada às dificuldades em seguir seus princípios rigorosos, a DC foi
relativamente esquecida, embora alguns centros, como a Universidade Johns
Hopkins13, tenham continuado a usá-la. Tornou-se evidente no
decorrer do tempo que pelo menos um quinto das crianças epilépticas não
respondia favoravelmente a quaisquer das DAES disponíveis ou precisavam de
doses excessivas desses medicamentos, com efeitos colaterais intoleráveis.
Desse modo, a popularidade da DC cresceu na década de 19908,
e foram publicadas várias séries de casos descrevendo sua eficácia14-16.
Os objetivos deste trabalho são
descrever a experiência dos autores com a aplicação da DC clássica a um grupo
de seis crianças e adolescentes com epilepsia intratável e enfatizar a eficácia
e os elevados benefícios em potencial da DC.
MÉTODOS
Este é um estudo retrospectivo que avaliou o uso da DC em um
grupo de seis crianças e adolescentes com epilepsia previamente intratável,
definida aqui pela resposta desfavorável a três drogas antiepilépticas. Os
autores reviram o prontuário médico de cada paciente menor de 15 anos submetido
à DC, entre abril de 1999 e julho de 2003, com atenção especial às
características clínicas da doença subjacente, os exames complementares
(eletroencefalograma, exames de imagem, dados laboratoriais), o tipo de crise
e, quando possível, a síndrome epiléptica. Estudou-se o número de DAE
previamente usadas. Analisaramse os seguintes aspectos da DC: eficácia
(considerou-se como critério de eficácia uma redução igual ou maior que 50% na
freqüência de crises epilépticas), efeitos benéficos associados (p. ex., sobre
o humor ou a cognição), tolerância, dificuldade de aplicação, alterações
laboratoriais e complicações. A base de comparação da freqüência de crises eram
as últimas quatro semanas antes da DC, registradas em diário pelos pais. À
internação para introdução da DC, cada crise epiléptica era registrada pela
equipe médica e de enfermagem e, após a alta hospitalar, os pais foram
orientados a manter um registro sistemático da hora, duração e características
de cada crise convulsiva.
Protocolo da dieta cetogênica
Os autores seguiram a DC clássica,
conforme descrita por Wilder 7 e divulgada por Freeman et al.17,18.
Os critérios de inclusão no estudo foram idade do paciente entre 1 e 15 anos,
uso prévio de pelo menos três DAES apropriadas em doses máximas, ausência de
acidose metabólica ou algum outro distúrbio metabólico definido, capacidade
psicossocial da família em aplicar a dieta e ausência de doenças
intercorrentes. Cada paciente foi submetido a uma anamnese completa, exames
físico e neurológico minuciosos e entrevista psicossocial dos responsáveis. Os
pais e todos os adultos que conviviam com cada paciente foram instruídos
durante no mínimo duas consultas acerca dos benefícios e riscos em potencial da
DC, dificuldades na implantação da dieta e erros freqüentes na sua execução, e
tiveram de assinar um consentimento
informado para que o paciente fosse submetido à DC. Não houve autorização
prévia da Comissão de Ética em Pesquisa da instituição dos autores porque os
seis pacientes não foram assistidos dentro de um protocolo formal de estudo.
Antes da internação, realizaram-se exames laboratoriais para excluir infecções
ou outras intercorrências, e foi solicitado aos pais observar a criança
atentamente com o objetivo de definir a freqüência de crises epilépticas
pré-DC. Os exames preliminares foram hemograma completo, gasometria arterial,
perfil bioquímico sangüíneo (incluindo o sódio, potássio e cloreto; cálcio,
fosfato, magnésio e fosfatase alcalina; aspartato-aminotransferase,
alanina-aminotransferase e bilirrubina total; glicemia; uréia e creatinina),
exame de urina e urocultura, exame parasitológico de fezes, proteínas séricas e
lipidograma.
A introdução da DC exigia uma
internação de no mínimo cinco dias, realizada após a verificação dos resultados
dos exames de triagem. Os autores adotaram o recurso de manter o paciente em
jejum até o aparecimento de cetose plena (detectada através de cetonúria no
grau 4+). Durante o jejum, o paciente foi mantido com hidratação intravenosa
sem glicose em dois terços da taxa hídrica plena e monitorado com aferição dos
sinais vitais e medição da glicemia capilar e cetonúria a cada seis horas. Uma
vez ao dia, enviavam-se ao laboratório amostras para a glicemia, eletrólitos,
ácido úrico, uréia e creatinina, aminotransferases hepáticas e exame de urina.
Uma vez instalada a cetose plena, a DC era iniciada. As refeições foram
introduzidas em volumes progressivos, 1/3 do volume no primeiro dia, 2/3 no
segundo dia e volume total no terceiro dia. Para facilitar a preparação da
dieta no hospital, os autores optaram por fornecer apenas a gemada (contendo
creme de leite com teor de lipídios de 35%, ovo e triglicerídios de cadeia
média) nas três refeições diárias17. Durante a internação, a equipe médica
e de enfermagem observava e registrava a hora e duração de cada crise clínica;
os pais foram instruídos na preparação rigorosa das refeições no lar e no
manejo de uma balança eletrônica com escala em gramas; neste estudo,
utilizaram-se balanças eletrônicas portáteis da marca Tanita,
VASCONCELOS MM ET AL.
Tabela 1 – Resumo dos seis pacientes submetidos à
dieta cetogênica
Sexo Idade no Tipo de crise Quadro Eletroencefalograma3 Exames de
Prévias No início início da ou síndrome neurológico2 imagem4 da DC
modelo 1140. Após a alta hospitalar, o
paciente passava a receber suplementos de cálcio, ferro e um polivitamínico.
O acompanhamento ambulatorial incluiu revisões semanais durante as primeiras
quatro semanas, consultas mensais nos três meses seguintes e, então,
consultas bimestrais regulares. Além do registro diário das crises, os pais
foram incentivados a verificar a cetonúria matinal diariamente com tira
reagente específica ao longo de toda a duração da DC.
A DC foi calculada usando-se o software Keto
Diet Meal Planner, distribuído gratuitamente pelo Lucile Packard Children’s
Hospital da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos (porém, foi preciso
adaptar os valores nutricionais dos alimentos aos
|
produtos nacionais). Adotaram-se os
seguintes parâmetros para cálculo das refeições: razão cetogênica inicial
(proporção entre gramas de lipídios e gramas de proteínas + carboidratos) de
4:1, taxa diária de proteína de 1 g por kg de peso corporal, taxa calórica
calculada em aproximadamente dois terços das necessidades de manutenção tendo
como base o peso ideal, número fixo inicial de três refeições diárias e taxa
hídrica um pouco abaixo das necessidades de manutenção e limitadas a 1 ml por
quilocaloria ao dia. À alta hospitalar, cada criança recebia um cardápio com
cinco ou seis refeições rigorosamente calculadas com proporções nutricionais
idênticas, que podiam ser oferecidas em qualquer uma das três refeições
diárias.
|
RESULTADOS
No total, seis pacientes (cinco meninos e
uma menina) foram submetidos à DC. A idade mediana no início da dieta foi de
sete anos (faixa: 1,8 a 12,2 anos). A duração média da aplicação da dieta foi
9,7 meses (faixa: 7 dias4 anos). Observou-se uma redução igual ou maior que
50% da freqüência das crises epilépticas em três dos seis casos estudados.
A Tabela 1 resume as características
clínicas dos seis pacientes. A Tabela 2 mostra as complicações, o efeito da
DC sobre as crises, a cognição dos pacientes e os resultados laboratoriais
observados.
A execução da DC foi dificultada por
intercorrências em dois casos. No sexto dia de internação do caso 2, a avó
visitou a criança e, assustada com sua astenia, decidiu alimentá-la
|
DC (anos) epiléptica1
CASO I
|
Fem
|
4,5
|
CPC com
|
AGD
|
Pontas-ondas
|
RME aos 3 anos
|
CBZ, CLB,
|
PB
|
|
|
|
generalização
|
|
lentas bilaterais
|
normal; RME
|
DZP, GBP,
|
|
|
|
|
secundária
|
|
e independentes
|
aos 4,5 anos:
|
LTG, PB,
|
|
|
|
|
|
|
(E > D);
|
atrofia cerebral
|
PHT, CGB,
|
|
|
|
|
|
|
atividade de
base suprimida à E.
|
|
VPA
|
|
CASO 2
|
Masc
|
1,8
|
Espasmos
|
Esclerose
|
Hipsarritmia
|
TCC:
|
NZP, PB,
|
VPA
|
|
|
|
infantis,
|
tuberosa
|
|
calcificações
|
VPA
|
|
|
|
|
mioclonias e
CPC
|
|
|
subependimárias
|
|
|
CASO 3
|
Masc
|
7,9
|
CPC, TCG
|
AGD
|
Hipsarritmia
|
TCC normal
|
DZP, OCBZ,
|
OCBZ, PB
|
|
|
|
|
|
modificada
|
|
PB
|
|
CASO 4
|
Masc
|
6,1
|
TCG,
|
AGD
|
Pontas-ondas
|
RME normal
|
CBZ, CLB,
|
CBZ, PB
|
|
|
|
mioclonias,
|
|
lentas
bifrontais
|
|
DZP, LTG, PB,
|
|
|
|
|
ausência atípica
|
|
|
|
TPM, VPA
|
|
CASO 5
|
Masc
|
12,2
|
TCG, crises
|
AGD
|
Traçado
|
TCC e RME
|
CBZ, CNZ,
|
CBZ,
|
|
|
|
atônicas e
|
|
compatível com
|
normais.
|
PB, VPA
|
CNZ, PB
|
|
|
|
tônicas
|
|
SLG
|
|
|
|
CASO 6
|
Masc
|
11,5
|
CPC, às vezes
|
Hipomelanose
|
Pontas-ondas
|
RME normal
|
CBZ, DZP,
|
CBZ, TPM
|
|
|
|
generalização
|
de Ito
|
lentas à E
|
|
LTG, OCBZ,
|
|
|
|
|
secundária
|
|
|
|
PHT, TPM, VPA
|
|
*Abreviaturas:
1 CPC; crises
parciais complexas; TCG = convulsão tônico-clônica generalizada.
2 AGD = atraso
global do desenvolvimento.
3 D = direita;
E = esquerda; SLG = síndrome de Lennox-Gastaut.
4 RME =
ressonância magnética do encéfalo; TCC = tomografia computadorizada de crânio.
5 Por
convenção, usam-se as abreviaturas internacionais 28: CBZ =
carbamazepina; CLB = clobazam; CNZ = clonazepam; DZP = diazepam; GBP =
gabapentina; LTG = lamotrigina; NZP = nitrazepam; OCBZ = oxcarbazepina; PB =
fenobarbital; PHT = fenitoína; TPM = topiramato; VGB = vigabatrina; VPA = ácido
valpróico.
Tabela 2 – Parâmetros e resultados da dieta cetogênica
em seis pacientes com epilepsia intratável
CASO 1 60 4
anos; em uso Leucopenia, G 42, AU 9,8
|
|
|
|
constipação
|
|
independente,
|
pH 7,28,
|
|
|
|
|
|
|
voltou a falar
|
Col 192, TG 65, Leuc 3,6
|
CASO 2
|
4:1
|
75
|
7 dias
|
Desidratação e
|
Sem crises até
|
—
|
G 38, AU 9,5,
|
|
|
|
|
letargia
|
a suspensão
|
|
pH 7,35
|
CASO 3
|
4:1
|
60
|
25 meses; em
|
Baixo ganho
|
Redução > 50%
|
Melhora da fala,
|
G 61, pH 7,31,
|
|
|
|
uso
|
ponderal,
|
|
deambulação
|
Col 220, Tg 139,
|
|
|
|
|
leucopenia
|
|
independente
|
Leuc 3,4
|
CASO 4
|
4:1
|
68
|
52 dias
|
Recorrência das
|
Redução > 50%
|
Melhora
|
G 48, AU 8,3,
|
|
|
|
|
crises
|
no início; depois,
|
transitória
da
|
pH 7,29
|
|
|
|
|
|
crises de ausência persistentes
|
fala
|
|
CASO 5
|
4,25:1
|
52
|
18 meses; em
|
Leucopenia,
|
Sem crises há 13
|
Melhora da fala,
|
G 45, pH 7,21,
|
|
|
|
uso
|
constipação
|
meses
|
deambulação
|
Col 262, Tg 79,
|
|
|
|
|
|
|
independente, menos
sialorréia
|
Leuc 2,69
|
CASO 6
|
3,5:1, depois
|
42
|
51 dias
|
Perda de 20% do
|
Piora das crises
|
Melhora global
|
G 52, AU 8,9,
|
|
3,75:1
|
|
|
peso,
priapismo
|
|
|
pH 7,31,
Col 201, Tg 99
|
1Em quilocalorias por quilograma de peso corporal por
dia.
2AU = nível sérico máximo de ácido úrico (mg/dL); Col =
nível sérico máximo de colesterol (mg/dL); G = nível mínimo da glicemia
(mg/dL); Leuc = contagem mínima de leucócitos (x 1.000/mm3); pH = pH
sangüíneo
arterial mínimo; Tg = nível sérico máximo de triglicerídios
(mg/dL).
com suco de laranja. A cetose foi
prontamente interrompida pelo aporte de carboidrato. Este incidente levou à
suspensão da dieta, a pedido da mãe do paciente, apesar da excelente resposta
terapêutica inicial. O caso 6 apresentou dois episódios de recorrência das
crises epilépticas ao longo de 13 meses: o primeiro quando ingeriu uma única
batata frita e apresentou uma crise clônica breve, e o segundo no dia do
aniversário da irmã, quando houve quebra da cetose e ele teve duas crises
epilépticas noturnas — provavelmente por ter transgredido a dieta durante a
festa.
DISCUSSÃO
Neste estudo, três em seis
crianças com epilepsia submetidas à DC mostraram uma redução persistente maior
ou igual a 50% da freqüência de crises epilépticas. Embora a baixa potência
estatística de uma série de apenas seis casos não permita definir a eficácia do
tratamento, o resultado foi comparável à taxa de eficácia de 54% no estudo
multicêntrico prospectivo envolvendo 51 crianças de Vining et al.16
e um pouco inferior à taxa de 62% descrita em um estudo retrospectivo de 58
crianças por Kinsman et al.14.
Antes de oferecer a opção
terapêutica da DC à família de uma criança com epilepsia supostamente
intratável, é preciso considerar que o fracasso do tratamento farmacológico
pode decorrer de diversos outros fatores, como erro de diagnóstico, dose
insuficiente ou horário impróprio da medicação, baixa adesão à terapia,
classificação errônea do tipo de crise epiléptica, ou a presença de uma doença
progressiva do sistema nervoso central 3. Nos seis pacientes
incluídos neste estudo, o diagnóstico de epilepsia intratável foi
escrupulosamente revisto e confirmado. Todos os pacientes haviam recebido no
mínimo três DAES em doses máximas (Tabela 1).
O uso do relato pelos pais da
freqüência de crises epilépticas para aferir a resposta à DC não é o método
ideal para avaliar a eficácia de uma terapia antiepiléptica, mas os três
pacientes que responderam à dieta exibiram melhora acentuada da função global
(p. ex., de ambulação independente) associada à redução ou resolução das
crises. Embora imperfeito, o registro diário pelos pais da freqüência de crises
também foi utilizado em estudos prévios14-16, e parece ser o
método mais prático e exeqüível em estudos de acompanhamento a longo prazo
sobre epilepsia.
Alguns autores afirmam que a DC
não é tão utilizada porque ela é pouco palatável14, mas a
prática da dieta demonstra que sua aceitação pode ser alta. Desde que percebam
uma melhora significativa no estado clínico de seus filhos, pais e familiares
costumam tolerar a rigidez na aplicação da DC para manter a cetose sangüínea
contínua18. Porém, os incidentes descritos no caso 2,
quando a avó da criança infringiu a DC, e no caso 6, quando a ingestão de uma
única batata frita desencadeou crise epiléptica, devem servir de alerta para a
necessidade de uma explicação detalhada da introdução e da manutenção da DC a
todos os familiares e responsáveis que conviverão com o paciente, enfatizando
os percalços e os efeitos colaterais possíveis.
Com o aumento no interesse pela DC
a partir de 19948, deu-se maior atenção à toxicidade e aos
efeitos colaterais da dieta1923. Na presente série de casos, todas as
três crianças tratadas com a DC por período superior a dois meses apresentaram
leucopenia (contagem de leucócitos < 4.500 células/ mm3),
uma complicação ainda não citada na literatura consultada pelos autores. Os
casos 1, 3 e 5 apresentaram contagens totais de leucócitos mínimas,
respectivamente, de
VASCONCELOS MM ET AL.
3.600, 3.400 e
2.690 células/mm3, após períodos de tempo em uso da DC de 5 a 22
meses. A leucopenia não foi acompanhada de complicações infecciosas e, nos três
casos, remitiu espontaneamente. Woody et al.19 descreveram uma
deficiência da função dos neutrófilos em nove crianças de um a nove anos de
idade tratadas com a DC, mas não mencionaram qualquer alteração quantitativa
dos leucócitos. A ocorrência de priapismo durante a primeira semana de uso da
DC no caso 6 também não fôra mencionada na literatura, mas não é possível
definir se este adveio ou não da introdução da DC. A acidose metabólica foi
leve a moderada e transitória no início da DC nos seis pacientes estudados, mas
eventualmente é grave o suficiente para motivar a suspensão da DC18.
Outros eventos adversos em
potencial da DC incluem alteração do estado mental (até mesmo coma),
hiperlipidemia, hiperuricemia, hipocalcemia, hipoglicemia, desidratação,
constipação ou diarréia, recusa alimentar, desmineralização óssea, litíase
renal e infecções recorrentes21. Em um relato de cinco crianças que
apresentaram complicações sérias e ameaçadoras à vida durante o tratamento com
a DC, como perda ponderal, disfunção hepática, hipoproteinemia e acidose
tubular renal, Ballaban-Gil et al. enfatizaram a necessidade de supervisão
estreita quando a DC é associada ao uso de ácido valpróico, o qual pode inibir
a fosforilação oxidativa21. Um relato recente mencionou a
possibilidade de complicações cardíacas em crianças submetidas à DC22;
houve um prolongamento do intervalo QTc em três de 20 crianças submetidas à DC,
porém apenas uma criança necessitou que a dieta fosse suspensa.
A introdução da DC clássica preconiza
um período de jejum inicial para acelerar a cetogênese e obter o efeito
terapêutico desejado. Como este período de jejum é exigente do ponto de vista
metabólico e encerra um risco mais alto de descompensação clínica (p. ex., o
caso 2), a recomendação recente de iniciar a DC sem jejum é promissora; Wirrell
et al.24 descreveram 14 crianças submetidas à DC sem jejum inicial,
com aumento gradual da taxa cetogênica da dieta de 1:1 até 3:1 ou 4:1 ao longo
de três a quatro dias. O tempo médio até a obtenção de cetose plena foi de 58
horas (faixa: 40 a 84 horas). A cetose foi alcançada por 13 das 14 crianças.
A aplicação da DC também foi sugerida para o manejo
nutricional de crianças com determinados distúrbios metabólicos, como a
deficiência da proteína transportadora de glicose (doença de DeVivo),
deficiência de piruvato-desidrogenase e defeitos da glicólise cerebral25.
Por outro lado, deve-se realizar uma triagem metabólica antes de instituir a
DC, pois determinados distúrbios metabólicos podem ser agravados pela dieta,
como a deficiência de piruvato-carboxilase, a porfiria, a deficiência de
carnitina, os distúrbios mitocondriais e os defeitos da oxidação dos ácidos
graxos26.
CONCLUSÃO
Considerando-se a redução dos custos da assistência médica
de crianças com epilepsia intratável quando a DC é bem-sucedida27
e as taxas de eficácia da DC de até 62% citadas na literatura14,16,
os autores do presente estudo acreditam que sempre que possível a DC deve ser
instituída como uma prova terapêutica às
crianças com epilepsia intratável, mesmo antes de se contemplar uma opção
terapêutica mais definitiva e invasiva como a cirurgia para epilepsia.
AGRADECIMENTO
Os autores desejam agradecer à
nutricionista Ana Lúcia Pires Augusto, Profa. Assistente do
Departamento de Nutrição e Dietética da Universidade Federal Fluminense, por
sua participação competente e prestimosa na implantação da dieta cetogênica no
Hospital Universitário Antônio Pedro.
Conflito de interesse: não há.
SUMMARY
KETOGENIC DIET FOR INTRACTABLE EPILEPSY IN CHILDREN AND ADOLESCENTS: REPORT OF SIX
CASES
BACKGROUND. This study aims to report on use of the
ketogenic diet in a group of six children and adolescents with intractable
epilepsy.
METHODS. Authors reviewed the medical records of every
patient under 15 years of age who received the ketogenic diet between April
1999 and July 2003. A comparison is made between treatment results,
adverse events and beneficial effects with the pertinent medical literature.
RESULTS. The ketogenic diet was administered to
six patients, whose median age was 7.0 years (range, 1.8-12.2). Average
duration of diet application was of 9.7 months (range, 7 days-4 years). A
reduction equal to or greater than 50% in seizure frequency was observed in
half of the cases. Complications included neutropenia, constipation,
dehydration, priapism, and seizure recurrence.
CONCLUSIONS. The ketogenic diet was effective and
safe in three out of six patients with intractable epilepsy. Neutropenia was
the most common complication. [Rev Assoc Med Bras 2004; 50(4): 380-5]
KEY WORDS: Epilepsy.
Child. Therapy.
Ketogenic diet. Ketones.
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Artigo recebido: 20/10/03
Aceito para publicação: 02/04/04
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