Adriana de Paula Congro
Michelone1
Vera Lúcia
Conceição Gouveia Santos2
Michelone APC, Santos VLCG.
Qualidade de vida de adultos com câncer colorretal com e sem ostomia. Rev
Latino-am Enfermagem 2004 novembro-dezembro; 12(6):875-83.
O objetivo deste estudo foi analisar e comparar a qualidade de vida (QV)
dos doentes com câncer colorretal atendidos pelo SUS na XIV DIR-SP, conforme
ausência e presença de estoma. Trata-se de estudo descritivo e exploratório,
com abordagem quantitativa onde se utilizou a escala WHOQOL-bref para avaliação
da QV. A casuística foi composta por 110 pessoas, totalizando 48 sobreviventes
que compuseram dois grupos conforme ausência ou presença do estoma. Os
resultados evidenciaram escores médios menores em todos os domínios para as
pessoas ostomizadas, porém sem diferenças significativas na comparação com o
grupo de pessoas sem ostomia. Foram constatadas diferenças estatisticamente
significantes para as variáveis religião e retorno ao trabalho independente do
grupo. O estudo contribuiu para o melhor delineamento acerca da QV entre
pessoas operadas por câncer colorretal com e sem ostomia.
DESCRITORES: qualidade de vida; enfermagem oncológica;
neoplasias colorretais
QUALITY OF LIFE OF CANCER’ PATIENTS WITH AND
WITHOUT AN OSTOMY
This study aimed to analyze and
compare the quality of life of patients with colorectal cancer who were
attended by the Single Health System in São Paulo. A descriptive and transversal study was carried out
from a quantitative approach. Data were collected through the World Health
Organization Quality of Life-bref scale (WHOQOL-bref). 110 patients were
observed, resulting in a population of 48 patients, who were divided into 2
groups: with and without ostomy. No differences in the average scores for the four
domains were found between the groups. Statistical differences were found in
the variables of religion and return to work independent from the group. This
study was important to get a better understanding of quality of life in cancer
patients with and without ostomy.
DESCRIPTORS: quality of life; cancer nursing;
colorectal neoplasms
CALIDAD DE VIDA EN
ADULTOS CON CÁNCER COLORECTAL CON Y SIN OSTOMÍA
La finalidad del trabajo fue analizar y comparar la calidad de vida (CV)
en enfermos con cáncer colorectal que reciben terapia de SUS en el XIV DIR-SP.
Fue efectuado un estudio descriptivo y transversal con aproximación
cuantitativa. La escala WHOQOL-bref fue utilizada para evaluar la CV. La
casuística fue compuesta de 110 personas, siendo 48 supervivientes que hicieron
parte de dos grupos, de acuerdo con la presencia o falta del estoma. Los
resultados fueron de puntuaciones medias menores para las personas con ostomía.
Todavía no ocurrieron mayores diferencias con relación con el grupo de personas
sin ostomía. Fueron encontradas diferencias importantes de acuerdo con la
creencia y regresión al trabajo, sin relación al grupo. El estudio ayudó en el
progreso para un mejor dibujo respecto a la CV entre personas con intervención
quirúrgica debido al cáncer colorectal con y sin ostomía.
DESCRIPTORES: calidad de vida; enfermería oncológica;
neoplasmas colorectales
1 Enfermeira, Mestre em Enfermagem pela Escola de
Enfermagem da Universidade de São Paulo, Docente da Faculdade de Medicina de
Marília, e-mail: adrianap@famema.br; 2 Enfermeira Estomaterapeuta,
Doutor em Enfermagem, Docente da Escola de Enfermagem da Universidade de
São Paulo, Orientador, e-mail: veras@usp.br
INTRODUÇÃO
A presença do câncer altera, indubitavelmente, todos os
aspectos da vida do indivíduo e pode acarretar profundas alterações no modo de
viver habitual, conforme o comprometimento da capacidade e habilidade para
execução de atividades de rotina. As alterações da integridade físico-emocional
por desconforto, dor, desfiguração, dependência e perda da auto-estima são
relatadas por esses doentes que percebem a qualidade de suas vidas
profundamente alterada, num curto período de tempo.
A própria palavra “câncer”, inclui um simbolismo de ameaça
à vida e de associação com a morte e o morrer(1). Nesse aspecto, a
pessoa experimenta certos tipos de pavor ao ser acometida por uma “doença
mistério” e “moralmente contagiosa”, evitando sequer pronunciar o nome da
doença(2).
Parece fundamental, portanto, que os enfermeiros e demais
elementos da equipe de saúde, envolvidos com essa clientela, tenham visão mais
ampliada sobre os sentimentos aflorados frente à doença, às suas seqüelas e aos
resultados alcançados no processo reabilitatório. Impõe-se elaborar um plano
individualizado de atenção fundamentado no respeito aos valores e crenças do
indivíduo que corresponda, de forma mais abrangente, às expectativas e
necessidades da pessoa com câncer, contribuindo para a necessária tomada de
decisão em direção à melhoria da qualidade de vida, e não apenas ao
prolongamento da sobrevida. Na promoção da autonomia do cliente, não cabe à
equipe de saúde determinar o que é melhor para ele - o que seria considerado
paternalismo - mas instrumentalizá-lo, através do processo educativo, para que
ele mesmo possa tomar decisões seguras, com base em seus próprios valores(3).
Como parte das responsabilidades do enfermeiro, essa é uma
tarefa muitas vezes difícil que exige conhecimentos e habilidades compromissadas
com a humanização do tratamento.
Neste estudo enfoca-se, especificamente, a área da
oncologia colorretal na qual, além do estigma do câncer e de sua localização
corporal, o indivíduo tem suas preocupações agravadas pelas possibilidades
terapêuticas, dentre as quais, o desvio do trânsito intestinal mediante a
realização de um estoma.
A pessoa ostomizada, além de sobreviver ao câncer, passa a
assumir outras incumbências em presença de tal derivação. A literatura mostra
que os indivíduos ostomizados enfrentam várias perdas que podem ser reais ou
simbólicas. A perda do controle da eliminação de fezes e gases, condição
mandatória para a vida em sociedade, pode acarretar o isolamento psicológico e
social, baseado em sentimentos negativos que permeiam as relações
interpessoais. Essas pessoas deparam-se com a mutilação de sua imagem corporal
e auto-estima, com sentimentos de repugnância de si mesmas, de desprestígio
diante da sociedade e de não serem capazes de enfrentar tal situação(2,4-5).
A complexidade e a extensão da problemática inerente à
vivência da cronicidade da doença e/ou da seqüela, aqui especialmente
representada pelo câncer e pela ostomia, têm levado vários autores a
desenvolverem estudos com o objetivo de analisar o impacto dessas condições
sobre a qualidade de vida, em diferentes aspectos.
Considerando-se as dificuldades enfrentadas pelos
sobreviventes de câncer, sendo ostomizados ou não, ao submergir numa ou duas
situações crônicas, câncer e ostomia, que certamente proporcionam drásticas mudanças
no estilo de vida, sobrepõe-se, como foco central deste estudo, o grande
questionamento: como todo esse processo influencia a qualidade de suas vidas?
Qualidade de vida
Qualidade de vida é uma das mais interdisciplinares
terminologias da atualidade(6), sendo utilizada em vários contextos
de pesquisa, servindo como elo entre várias áreas especializadas do
conhecimento como a sociologia, medicina, enfermagem, psicologia, economia,
geografia, história social e filosofia.
Para diversos autores, a qualidade de vida tem
componentes subjetivos e objetivos. O aspecto subjetivo é essencial porque o
senso de satisfação pessoal é intrínseco à qualidade de vida. Entretanto, o
componente objetivo é também necessário, pois pessoas vivendo em situações de
pobreza e miséria podem sentir-se satisfeitas com sua vida, enquanto que outras
pessoas enfrentando condições adversas de risco à saúde podem avaliar sua
qualidade de vida pior que a desejada.
Ao considerar-se que qualidade de vida é um valor
subjetivo, a mesma só pode ser avaliada pela própria pessoa cuja qualidade de
vida está sendo medida(7), contrariamente aos primeiros estudos
sobre o tema.
O World Health Organization Quality of Life Group (WHOQOL
Group) grupo da Organização Mundial de Saúde (OMS) que estuda qualidade de vida
baseado em três aspectos referentes ao construto qualidade de vida, quais
sejam, subjetividade, multidimensionalidade e presença de dimensões positivas e
negativas, define-a como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida no
contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos
seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”(7).
A qualidade de vida passa ao âmbito da saúde quando se
considera que a doença e as intervenções realizadas pelos profissionais influenciam
tanto sobre a quantidade (sobrevivência) como sobre a qualidade da vida do
indivíduo(8). No contexto da oncologia, a qualidade de vida é
definida como a percepção subjetiva do indivíduo em relação à sua incapacidade
e à satisfação com seu nível atual de funcionamento, fazendo com que a pessoa
considere que esteja bem ou não, comparativamente ao que percebe como possível
ou ideal(9).
A problemática do adulto sobrevivente ao câncer
colorretal, certamente exacerbada pela presença de um componente estigmatizante
e mutilante como o estoma, aqui colocada em breve revisão de literatura,
associada à nossa prática profissional, tanto assistencial quanto de ensino,
tem sido fonte de estímulo para aprofundar o conhecimento sobre o universo
dessa clientela, constituindo-se como objetivos do estudo:
- analisar e comparar a qualidade de vida
dos sobreviventes de câncer colorretal, com e sem ostomia, atendidos pelo
Sistema Único de Saúde (SUS) na XIV Divisão Regional da Secretaria de Saúde do
Estado de São Paulo; - verificar as associações estatísticas existentes entre
os escores de qualidade de vida e as características demográficas e clínicas
entre os dois grupos.
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