Autores do relato: Luna Rezende Machado de Sousa; Amanda Meireles Gomes Moura; Paula Bianca Barbosa; Silvia do Amaral Rigon; Eloyse Weeny Ramos Bieberbach Ceschim; Victoria Beatriz Trevisan Nóbrega Martins.
Local da experiência: Paraná
Local de implementação: Escola municipal
Qual o público alvo? Alunos do 2º ao 5º ano da unidade escolar
Qual foi a experiência desenvolvida?
Programas de educação em grupo, voltados ao cuidado nutricional, têm mostrado bons resultados no alcance de suas premissas, porém, a maioria deles é voltada ao público adulto. Esta é uma experiência inovadora, por se tratar da implantação de grupos educativos voltados à reeducação alimentar de pré-escolares e escolares com excesso de peso.
A epidemia de sobrepeso e obesidade atinge cada vez mais crianças e adolescentes, aumentando significativamente o risco de complicações de saúde tanto na infância quanto na fase adulta. Embora existam diversas ações e projetos de educação alimentar voltados à população infanto-juvenil, sendo grande parte realizada em ambiente escolar, os resultados mostram que eles contribuem muito pouco para mudanças comportamentais. O que parece estar relacionado com a forma pontual, sem continuidade, descontextualizada e com curto prazo de duração que estas ações e projetos são realizados. Buscando superar esse obstáculo, esta experiência se estendeu por 7 meses, com a realização de encontros mensais, de maio a novembro de 2013.
O acesso à informação é importante, mas já não somos ingênuos o suficiente para achar que isto basta para a construção de práticas alimentares saudáveis. É preciso praticar, mais do que aconselhamentos e orientações alimentares, métodos de ensino problematizadores e construtivos, buscando no campo da educação popular os caminhos para o fortalecimento da autonomia decisória e coresponsabilização do processo saúde-doença dos indivíduos. Assim, as ações que visam melhorias nos hábitos alimentares devem instituir mudanças permanentes, e não dietas a curto prazo e destinadas à rápida perda de peso. E quando se trata do público infanto-juvenil, é imprescindível a participação da família neste processo, para a promoção de pequenas e graduais mudanças nas práticas alimentares, que consequentemente, levarão à alteração na composição corporal. Deste modo, o objetivo desta experiência foi implantar grupos educativos, com vistas à mudança dos hábitos alimentares, por meio de educação nutricional, com alunos diagnosticados com sobrepeso e/ou obesidade pelo Programa Saúde na Escola, acompanhados de seus familiares.
A escolha pela utilização da dinâmica de grupos para o cuidado nutricional se justifica pelo fato de que os indivíduos passam a maior parte de sua vida convivendo e interagindo em distintos grupos, como famílias, profissionais, esportivos, sociais, etc. E como a alimentação não pode ser vista como simples ato de suprir as demandas biológicas, mas sim por um processo de inter-relação social, afetiva e cultural, é coerente que ela seja trabalhada no âmbito coletivo, grupal, pois nunca será uma atividade puramente individual. Também é indicada a utilização de espaços educativos, como as escolas, para o desenvolvimento destas atividades, por contribuir para o estabelecimento de parcerias intersetoriais e entre profissional-usuário-comunidade.
Considerando também, que a intersetorialidade é apresentada como uma das principais estratégias para implantação de propostas de promoção à saúde, esta experiência vem sendo realizada em uma Escola Municipal de Colombo/PR, por meio da atuação interdisciplinar das residentes de nutrição, odontologia e farmácia do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família, com o apoio dos profissionais de uma Unidade Saúde da Família (USF) de o corpo docente da escola.
Como a experiência foi desenvolvida?
Em abril de 2013, o Programa Saúde na Escola diagnosticou obesidade em 18,7% dos alunos da Escola Municipal John Kennedy, de Colombo/PR. Diante disso, a equipe de Residentes Multiprofissionais em Saúde da Família, atuante na Unidade de Saúde (USF) vinculada à escola, articulou, com os profissionais da USF e a diretora da escola, a implantação de grupos educativos para o cuidado nutricional destes pré-escolares e escolares com excesso de peso.
Na escola as crianças passam maior parte do seu dia e realizam refeições, por isso optou-se por utilizá-la como espaço físico para operacionalização dos grupos educativos, titulados Grupos de Nutrição Infantil (GNI). Os alunos com diagnóstico de obesidade foram triados e separados em dois grupos, segundo o seu turno escolar, matutino ou vespertino. O GNI matutino ficou composto por 28 alunos, do 2º ao 5º ano, e o GNI vespertino por 21 alunos, do último ano pré-escolar ao 5º ano do ensino fundamental.
Em maio, a proposta dos GNI foi dialogada com os alunos selecionados, seus responsáveis e professores. Foi explanado que os grupos se reuniriam mensalmente, com duração média de 75 minutos, em ambiente e horário escolar, com a coordenação das residentes de nutrição, farmácia e odontologia da USF. Os responsáveis e familiares também foram convidados e estimulados a participarem dos encontros.
Paulo Freire dizia que o processo de ensino exige rigor metodológico, o sucesso dos grupos também envolve o delineamento dos objetivos, a preparação dos temas, a organização das reuniões, conhecimento das intenções de cada material e questionamento levantado. O foco da equipe é trabalhar com os preceitos da educação problematizadora, construindo os conhecimentos por meio da vivência de experiências significativas. Em vez de as informações serem passadas em sua forma acabada, como na educação bancária, o processo de aprendizagem se apoia na descoberta. Os encontros foram realizados mensalmente, de maio a novembro de 2013, cada um abordando um tema sobre alimentação saudável e ao final pactuando com os alunos um Desafio do Mês: mudança qualitativa na alimentação, relacionada ao tema abordado.
Os temas abordados foram: a realização das refeições com a TV ligada; hortaliças; café da manhã e consumo de cálcio; açúcar; frutas; gorduras; retomando os conhecimentos. Os roteiros de todos os encontros seguiram a mesma ordem cronológica:
Boas vindas e dinâmica de “Quebra-Gelo”
Nos grupos, é importante estimular a construção de uma identidade grupal, denominador que unifica os participantes, e da identidade individual, relacionada com a história de cada integrante6,7. A identidade individual foi trabalhada nas dinâmicas ‘quebra-gelo’, onde os participantes expunham um pouco de sua história e personalidade, respondendo a pergunta, como: fruta preferida; profissão almejada; comida que não gosta; receita que sabe preparar...
Recapitulando o “Desafio do Mês” anterior
Por meio dos questionamentos: quem tentou realizá-lo e conseguiu; quem tentou e não conseguiu. Neste momento ocorria a troca de experiências acerca das mudanças comportamentais, fortalecendo a identidade grupal inconscientemente, pois todos se sentiam ‘no mesmo barco’, com objetivos em comum.
Dinâmicas lúdicas e interativas
Na brincadeira a criança extravasa seus sentimentos e aprende novos conhecimentos com base em sua experiência real. Foram realizadas dinâmicas de competição e cooperação, utilizando figuras e alimentos in natura; macromodelos de partes do corpo, vídeos e jogos.
Pactuação do Desafio do Mês
Os desafios deram a possibilidade do educando de se tornar agente de mudanças na família, também era entregue um folheto explicativo sobre o tema e o desafio pactuado, para que os pais ausentes acompanhassem o processo. Exemplos dos desafios pactuados: desligar a TV durante as refeições; tomar café da manhã e consumir leite/derivados todos os dias; consumir fruta diariamente; experimentar novas hortaliças; consumir menos doces e alimentos gordurosos.
Para avaliar os resultados desta experiência, após realizado o último encontro, foram aplicados questionários estruturados, pela equipe coordenadora da experiência, para os participantes, e uma pesquisa de satisfação. O questionário era composto por perguntas fechadas que avaliavam a adesão dos participantes aos desafios propostos ao longo dos encontros, bem como se houve a real mudança de hábitos alimentares. Para a pesquisa de satisfação foi utilizada escala hedônica, com 4 escalas representadas por desenhos (carinha muito feliz, feliz, indiferente ou triste), em que o participante deveria assinalar (anonimamente) o desenho que representasse o que ele achou de participar deste grupo.
Os resultados desta avaliação deixaram a equipe coordenadora otimista. Dos 49 participantes, 48 responderam ao questionário e 43 à pesquisa de satisfação anônima. Participaram alunos de 5 a 13 anos, a média da idade foi 8 anos. Antes de participarem do grupo, 88% (n=33) destes alunos costumavam realizar as refeições com a TV ligada, ao final dos encontros este percentual caiu para 30% (n=14). Cerca de 71% (n=34) experimentaram novas hortaliças após participarem do encontro que abordou este tema. Em relação a tomar café da manhã diariamente, 30% (n=13) não tinham esta prática, ao passo que ao final da experiência, apenas 18% (n=8) continuaram com este mau hábito. Enquanto 49% (n=21) não tomavam leite todos os dias, após participarem dos encontros a maioria aumentou o consumo deste alimento, diminuindo este percentual para 9% (n=4). O consumo de doces, como refrigerantes, balas e bolachas recheadas, durante a semana era presente em 73% (n=35) dos participantes, ao final da experiência apenas 21% (n=10) mantiveram este costume. Dentre os participantes que não consumiam frutas diariamente (28\%, n=13), 78% (n=7) aumentaram seu consumo de frutas. Dos alunos que participaram do encontro sobre gorduras, 84% (n=36) relataram que consumiam frequentemente alimentos gordurosos, como miojo, salgadinhos de pacote e salgados fritos, mas ao serem questionados, apenas 14% (n=6) relataram que não diminuíram este consumo.
A pesquisa de satisfação, onde o participante assinalou sua opinião anonimamente, apenas preenchendo a idade, mostrou que 86% (n=37) Gostou Muito, 9%(n=4) Gostou e 5% (n=2) não gostaram de participar do grupo. Importante ressaltar que a participação no grupo não era obrigatória, todos os alunos foram informados que caso não quisessem participar de algum ou de todos os encontros, eles não seriam prejudicados e não era preciso informar previamente o desejo de faltar. A maioria (38) dos participantes estive presentes em todos os encontros, 7 alunos faltaram a 1 vez, 4 faltaram 2 vezes e 1 dos participantes faltou em 3 encontros.
Que desafios foram encontrados para o desenvolvimento da experiência?
A ampla variação de faixa etária dentre os participantes, de 5 a 13 anos (pré-escolares e escolares), dificultou o planejamento das atividades. Mas não prejudicou o andamento da experiência, pois com construção gradual da identidade grupal, pode-se perceber uma interação harmônica e cooperativa entre os participantes, e as diferenças etárias não ficaram evidentes no decorrer das atividades. No entanto, pode ser mais vantajoso a operacionalização dos grupos somente com os escolares (7 a 13 anos), para facilitar também o planejamento das ações.
Os encontros foram realizados em horário de aula, ou seja, os participantes deixavam de participar daquela aula para se reunirem com o grupo, o que contribuiu muito com a adesão dos alunos. Porém, quando coincidia o dia do encontro com a data de prova, priorizou-se a atividade avaliativa, como combinado com os professores. Deste modo, alguns alunos, principalmente os do 5º ano, não puderam comparecer a todos os encontros. Para os alunos faltantes, seja por motivo de prova, intenção ou falta à escola naquele dia, no encontro seguinte lhes era explicado o último desafio do mês proposto, para caso tivessem interesse em pactuá-lo também.
A adesão dos familiares na participação dos encontros era dificultada pelo horário em que eram realizados (às 08:00h para o grupo matutino e às 13:00h para o grupo vespertino), pois a maioria encontrava-se em horário de trabalho. Para auxiliá-los na participação, foram concedidas Declarações de Comparecimento a cada encontro, porém, muitos alegaram que os empregadores aceitariam apenas ‘atestados’. Cerca de 10 responsáveis participaram assiduamente dos encontros (somando os grupos da manhã e tarde), mas maioria presenciou apenas alguns momentos. Aos que alegaram dificuldade em continuar participando, foram orientados a sempre recapitular, em casa, com o participante qual o tema foi abordado e qual o desafio pactuado no dia, para que pudessem continuar colaborando ativamente no processo de educação nutricional. Os folhetos entregues no final dos encontros, contendo algumas considerações sobre o tema e o desafio do mês, auxiliavam o acompanhamento desta experiência pelos responsáveis.
Apesar do grande apoio recebido pelos profissionais da escola e da USF, praticar a intersetorialidade ainda é um desafio. Devido principalmente ao excesso de demandas, muitos não conseguiram participar ativamente do planejamento e execução dos grupos educativos. Pensando em fortalecer a participação da escola nos processo de educação alimentar, sem que isso incida em um aumento de tarefas par o corpo docente, sugere-se a utilização dos alimentos como instrumento pedagógico, inserindo-o na sala de aula, em estudos, comentários e aplicações práticas. É comum encontrarmos nos livros didáticos exemplos e informações sobre alimentos que induzem o aprendizado, porém, na maioria das vezes são utilizados alimentos não saudáveis, como na demonstração da divisão fracionária em fatias de bolo ou pizza, no estudo de conjuntos numéricos com porções de balas, pirulitos, chocolates e refrigerantes. A exposição constante das crianças à mídia dos alimentos não saudáveis influencia na formação de seus hábitos alimentares, mas a escola pode representar uma força antagônica a este processo, estimulando e recuperando o contato os alimentos regionais, culturais e de melhor valor nutricional.
É comum, durante a operacionalização de dinâmicas em grupo, a presença de ansiedades, resistências, medos, dificuldades de comunicação e conflitos. O manejo destas situações permite o fortalecimento dos vínculos entre os membros dos grupos e os coordenadores e auxiliares. Alguns autores citam que para o sucesso no manejo dos grupos, o coordenador deve apresentar alguns atributos, como: gostar e acreditar em grupos, empatia, comunicação, ser verdadeiro e ter senso de humor7. Desta forma, a equipe coordenadora (residente de nutrição, de farmácia e de odontologia) busca o aperfeiçoamento destes atributos, por meio da leitura sobre a temática, atividade de reflexão autocrítica e participação em oficinas que abordam a temática de grupos operativos.
O que esta experiência trouxe de novo?
A experiência tem se mostrado promissora em diversos aspectos, entre eles:
Adesão e comprometimento com as atividades e os Desafios do Mês
O envolvimento e comprometimento dos participantes surpreendeu toda a equipe coordenadora da experiência. Os resultados, obtidos com a aplicação do questionário ao final da experiência, mostraram o grande potencial que este tipo de experiência tem em promover a mudança de hábitos alimentares. Ao serem questionados sobre os Desafios do Mês, a maioria dos alunos compartilharam as mudanças que vinham realizando, e a cada desafio alcançado eles se mostravam mais engajados com o próximo.
Fortalecimento das relações intersetoriais “educação” e “saúde”
O Programa Saúde na Escola é um dos grandes responsáveis pelo fortalecimento do vínculo da unidade de saúde com a escola, mas desde a implantação dos Grupos de Nutrição Infantil as relações ficaram ainda mais estreitas e novas atividades em conjunto foram desenvolvidas, como: roda de conversa sobre sexualidade com os alunos do 5º ano.
Atuação e foco interdisciplinar nas atividades
A importância da interdisciplinaridade nas ações de promoção à saúde ficou evidente nesta experiência. Todo o planejamento e execução dos encontros foram realizados em conjunto, as dinâmicas relacionam vários aspectos com a alimentação, como a saúde bucal e a prática de atividade física. Sempre que possível, os estagiários do PET-Saúde participaram do processo de planejamento e execução das ações.
Influência positiva da formação de vínculo com os alunos durante esse processo
Esta experiência proporcionou uma relação de confiança, afeto e colaboração entre os participantes, coordenadores e auxiliares do grupo. Os alunos se mostravam animados para participarem dos próximos encontros e, com isto, a equipe ficava inspirada no aprimoramento das ações.
Abordagem multifatorial dos hábitos alimentares
As ações de educação nutricional que focam apenas o âmbito biológico estão fadadas ao insucesso. Por isto, priorizou-se nesta experiência a abordagem multifatorial deste processo, considerando os aspectos sociais, já que a educação é um processo dinâmico, que precisa da participação de todos os envolvidos no processo, considerando suas necessidades e valores.
Toda essa experiência favoreceu a reorientação do processo de trabalho da atenção nutricional infanto-juvenil na USF, com parcerias setoriais, somatório de saberes técnicos e populares e superação do modelo biomédico no desenvolvimento das atividades.
Essa experiência foi apresentada na IV Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica/Saúde da Família, evento realizado em 2014, cujo objetivo é valorizar as experiências cotidianas e estimular o protagonismo local dos milhares de trabalhadores, gestores e usuários da Atenção Básica do Brasil.
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